segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Sem título (proporção)

(Escrito em 4 de junho de 2009).

Os sonhos, eles, continuam a me ocupar. Sempre que desperto tenho a sensação de que, talvez, eu esteja prestes a desvendar uma periodicidade mal camuflada nas visitas que eles me fazem. Porém, as tentativas de fazer com que eu me desatrele do tempo e do espaço são efetivas.

Em algum lugar entre o sono e a vigília, inexato e paradoxalmente consciente, as folhas do calendário saltaram para longe do meu alcance. Os olhos estavam fechados e a respiração inconstante. A camada de sono cegante que se alojava entre o globo ocular e as pálpebras se dissolveu e tudo o que eu vi foi a minha cor por dentro, uma mistura do preto-ausência-de-luz com o vermelho-róseo-circulação-sangüínea, que aos poucos ganhou toques luminosos doados pelo sol transpassado entre as venezianas. Um chuvisco, daqueles de televisor sintonizado em um canal inexistente, foi bordado nas minhas pálpebras ou retinas com linhas furta-cores, ao mesmo tempo em que as fronteiras do meu corpo passaram de invisíveis a tracejadas. O bordado clareava e escurecia como um reflexo luminoso sobre uma superfície aquosa instável, exibindo cores que eu sou incapaz de nomear. Tinha um mar por dentro dos olhos, um mar bordado nas pálpebras ou retinas.

De repente, as fronteiras do meu corpo se uniram através de um choque, de tracejadas à linha contínua, demarcada. Sentia cada milímetro quadrado da epiderme em contato com os lençóis e meu cérebro só queria saber em que dia estávamos. Minha visão foi clareada completamente pela luminosidade do sol, um branco vibrante e desconfortável fez com que eu contraísse os olhos ao máximo que conseguia suportar. Ansioso, buscava relações temporais para descobrir em que dia estava, mas não conseguia lembrar com clareza o que tinha feito nos dias anteriores nem o que teria para fazer nos dias seguintes. O branco virava dourado e virava branco e virava dourado. Imagens começaram a emergir dessas transições, rápidas demais, eram fotografias sopradas em trajetórias imprevisíveis, borrões.

Consegui te reconhecer em uma imagem, depois em outra. O cérebro, com uma centelha, te atrelou a pergunta que ainda buscava uma resposta e tudo virou pensamento, pensamento que não quis mais nos deixar. Abri os olhos e reconheci meu quarto a partir da trajetória descrita pelo primeiro piscar do dia.

(Não sei se acabei).

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